Capítulo 1
Luna e Joaquim se conheceram num aeroporto.
Ela embarcava para a Islândia. Ele voltava de uma trilha no Himalaia. Eles se esbarraram na fila do café, dividiram uma tomada para carregar os celulares. Chovia. O voo atrasou. Conversaram por duas horas. E quando se despediram, sabiam — sem dizer — que ainda iriam se ver.
Dois meses depois, já moravam juntos. Não num apartamento, mas numa van bege, com um colchão no fundo, prateleiras de madeira e um isopor.
Cruzaram o sul de Portugal, tomaram banho em posto de gasolina, dormiram sob estrelas que não sabiam o nome.
Foi nessa fase que criaram o pacto:
“A cada cinco anos, mudamos de vida.”
Não necessariamente de parceiro. Mas de país. De ritmo. De ofício. Para não congelar. Para não se apagar.
E assim foi:
Cinco anos em Lisboa — ela professora de yoga, ele cozinheiro.
Cinco anos em Montreal — ela fotógrafa de gestantes, ele carpinteiro.
Cinco anos em Marselha — horta, ateliê, tranquilidade.
E então nasceu Adam.
Não foi planejado. Mas também não foi acidente. Um consentimento silencioso.
O bebê chegou vibrante, exigente, encantador. Mudou tudo.
E restavam apenas três meses para a próxima virada.
Luna sentia o mundo chamando. Sonhava com vulcões da Costa Rica, com um veleiro no Mediterrâneo, com um ateliê de cerâmica no Japão.
Mas Joaquim… estava parado.
Quando ela mencionava possibilidades, ele ouvia — mas desviava os olhos. Falava de estabilidade. De Adam. De “acalmar”.
Luna não forçava.
Mas uma pergunta já a perseguia:
“Ser fiel ao nosso amor… é me trair?”
Capítulo 2
Luna ficou em silêncio por alguns dias.
Seguiu com a rotina: dobrava os macacões do Adam, preparava as papinhas, cantava músicas de ninar.
Mas havia algo suspenso no jeito como ela mexia as mãos. Como se o corpo estivesse à espera de uma resposta.
Joaquim fingia normalidade.
Ela, anotava coisas no caderno. Pesquisava passagens. Imaginava mapas.
— A gente combinou cinco anos, lembra?
— A gente também disse que ia se adaptar.
— Sim, mas não que ia apagar.
Eles evitavam discussões. Mas o silêncio entre eles já era uma fenda.
Uma noite, ela falou com calma.
— Você não quer mais ir, né?
Ele abaixou os olhos.
— Quero que a gente fique por aqui. Pelo Adam. Pra descansar. Pra ver como é… não mudar.
— E eu tenho medo de desaparecer.
Ele a olhou de verdade. Ela continuou:
— Você quer raízes. Eu sinto que, se eu não me mover, eu murcho.
— Você acha que dá pra amar e querer coisas opostas?
Ela não respondeu.
Mas sabia que precisava ir. Nem que fosse por um tempo. Pra escutar o que ainda existia dela sob tantas camadas: mãe, companheira, cuidadora.
Ela comprou a passagem. Para Oaxaca. Duas semanas. Talvez três.
Sem briga. Sem drama.
Só um gesto de sobrevivência emocional.
Capítulo 3
A passagem foi comprada sem cerimônia.
Promoção para Oaxaca. Ida sem volta marcada.
Luna não fugiu. Avisou. Explicou. Joaquim ajudou a fechar a mala. Disse “cuida de você”. Disse “eu te amo” antes do beijo.
Ela foi.
Lá, tudo era outro: a luz, os cheiros, os sons.
Ela alugou um quarto com varanda e plantas em excesso. Escrevia. Caminhava. Comia sozinha. Observava crianças brincando. Às vezes, chorava sem motivo.
Não tinha plano. Mas reencontrava sua voz.
Aquela que dizia: eu gosto. Eu quero. Eu existo.
Ligava para Joaquim a cada dois dias. Contavam pouco. Mas se escutavam melhor.
Um dia, ele mandou mensagem:
“Te amo ainda mais de longe.”
Ela respondeu:
“Talvez esse seja o nosso próximo passo.”
Capítulo 4
Quando Luna voltou, nada havia mudado.
A casa era a mesma. Adam ainda ria da pelúcia de pinguim. O sofá seguia afundado do lado esquerdo.
Mas eles sim.
Se olharam por muito tempo. Sem medo. Sem cobrança.
Ela disse:
— Não quero ir embora agora. Mas também não quero me apagar.
Ele respondeu:
— E se a gente inventasse outra regra?
Decidiram alternar.
A cada dois meses, um teria direito a dias “fora de tudo”.
Ela, para escrever.
Ele, para trabalhar com as mãos.
Cada um, para se reencontrar.
Ficaram naquela casa. Mas algo se movia.
Não eram mais os mesmos. E nem precisavam ser.
Já não tinham medo de se perder. Porque sabiam: é possível se escolher — sem se abandonar.
E assim reinventaram o pacto.
Um amor em movimento.
Sem espetáculo.
Mas profundamente vivo.
Este conto aborda os temas da liberdade, da parentalidade e da reinvenção dentro do amor. Continue sua leitura explorando outros artigos neste blog, compartilhe e comente.